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sábado, 2 de outubro de 2010

Cecília Meireles...............Canção excêntrica - Cecilia Meireles

 

Cecília Meireles
Cecília Meireles
Cecília Meireles
Cecília Meireles
                                                                          
Pequena canção

Pássaro da lua,
que queres cantar,
nessa terra tua,
sem flor e sem mar?

Nem osso de ouvido
Pela terra tua.
Teu canto é perdido,
pássaro da lua...

Pássaro da lua,
por que estás aqui?
Nem a canção tua
precisa de ti!




Cecília Meireles

Vaga música
( 1942)

Sobre o autor


 

Mesmo àquele que folhear displicentemente o livro Vaga Música não passará despercebido o fato de que uma das formas poéticas mais utilizadas aqui é a da canção, o que vem indicado, à maneira antiga, já nos títulos: "Pequena canção da onda", "Canção da menina antiga", "Canção excêntrica", "Canção quase inquieta", "Canção do caminho", "Canções do mundo acabado", "Canção quase melancólica", "Canção de alta noite", "Canção mínima", entre muitas outras semelhantes.
Essa forma é na verdade largamente usada em toda a obra de Cecília Meireles, não constituindo uma peculiaridade apenas desse livro. Segundo alguns teóricos, a canção seria a manifestação mais importante do gênero lírico. Ela seria, por assim dizer, o lugar onde a essência desse gênero é realmente liberada. Que esse lugar tenha sido amplamente explorado pela poeta, cuja poesia está entre as mais genuinamente líricas da literatura brasileira, não é um acaso.

No poema escolhido, algumas características da canção aparecem nitidamente: a forte atuação do som e do ritmo, a impregnação da realidade exterior pela emoção, o apagamento dos fatos, a indeterminação quanto ao tempo e ao espaço. Essas características se ligam intimamente. Assim, a musicalidade mais enfatizada na canção indica a fusão entre o eu e o mundo exterior. A alma invade o mundo objetivo, que aparece apenas como um reflexo daquela. Isso leva a um apagamento dos contornos da vida exterior e, conseqüentemente, a frases mais brandas, mais musicais, pois, mais do que definir um acontecimento, busca-se criar uma atmosfera emocional, para o que a música contribui fortemente. Esse relaxamento dos contornos implica também o relaxamento das noções de tempo e espaço, elementos sempre difíceis de precisar numa canção, que parece no mais das vezes se desenvolver no sem-tempo e no sem-espaço. É o sem-tempo e o sem-espaço da vida interior.

Som e Ritmo
Antes de qualquer consideração quanto à musicalidade, é necessário levantar alguns aspectos que dizem respeito ao metro usado no poema. Este é constituído por três estrofes ou quadras, com quatro versos cada uma, sendo estes pentassílabos, isto é, compostos de cinco sílabas:
  1    2  3   4  5
Pás-sa-ro-da-lu-(a)
  1     2    3    4    5
que-que-res-can-tar,
  1    2  3    4  5
nes-sa-ter-ra-tu-(a)
  1     2  3   4     5
sem-flor-e-sem-mar?

Se procedermos assim com os demais versos do poema, verificamos sempre o mesmo número de sílabas, ou seja, cinco. Lembramos que, tratando-se de poesia, conta-se apenas até a última sílaba tônica. Por isso não é de estranhar que tenhamos considerado, nos versos paroxítonos "Pássaro da lua" e "nessa terra tua", apenas até as sílabas "lu-" e "tu-" respectivamente. Já os versos "que queres cantar" e "sem flor e sem mar" são oxítonos, ou seja, terminam em sílaba tônica, a qual deve ser incluída na contagem silábica.

Versos de cinco sílabas são também chamados de redondilhas menores, tomados em relação à redondilha maior, de sete sílabas. Um como o outro são fartamente empregados na poesia popular, como é o caso da literatura de cordel. O uso de versos curtos na produção folclórica e semifolclórica certamente é um fator que colabora na condensação maior do assunto e confere mais agilidade rítmica a composições feitas muitas vezes para ser acompanhadas de música. 


No caso da poesia culta, que é o foco do nosso interesse nesta pequena análise, esse recurso muitas vezes visa a objetivos semelhantes: maior concentração do conteúdo, realce dos valores rítmicos, entre outros. 

Por que dizemos "concentração do conteúdo"? 

  Ora, porque os pequenos versos de cinco sílabas não propiciam que um conteúdo seja desdobrado, em todas as suas conexões lógicas, tal como o permite o soneto, por exemplo, tipo de composição estruturado por versos de dez sílabas e bastante apto ao jogo intelectual.

 Na canção ocorreria, ao contrário, uma "simplificação do conteúdo". Isso não quer dizer que se perca em profundidade, mas antes que esta é obtida por meio da força sugestiva das palavras, cuja sonoridade ganha relevo, e dos ritmos, bastante diversificados na composição analisada. Aqui, as três principais modalidades rítmicas possíveis para versos de cinco sílabas comparecem:
a)- - ´ - ´
b)´ - ´ - ´
c) - ´ - - ´
O sinal (´) corresponde justamente às sílabas fortes no verso, e o sinal (-) indica as sílabas fracas. Ao ritmo A se ajustariam os seguintes versos:
  -    -   ´   -   ´
nes-sa-ter-ra-tu-(a)
pe-la ter-ra-tu-(a)
O verso seguinte, que se repete em cada uma das quadras, é o único que descreve o ritmo B:
  ´    -   ´  -   ´
Pás-sa-ro-da-lu-(a)

O ritmo C aparece nos demais versos:
  -      ´   -    -      ´
que que-res-can- tar
Nem-os- so- deou-vi-(do)
Teu-can-toé-per- di-(do)
pre- ci- sa- de- ti
Observe que nos ritmos A e C há dois momentos fortes e três fracos (os momentos fortes estão em negrito), alterando-se apenas a maneira como esses momentos se sucedem, por outro lado no ritmo B há três momentos fortes e dois fracos, o que o torna menos suave que os outros, pois há apenas um intervalo entre os acentos. Estes, quando estão mais separados uns dos outros (como nos ritmos A e C), conferem ao verso um movimento mais ondulatório e delicado.
Vamos tentar solfejar o poema, isto é, ler em voz alta apenas seu desenho rítmico. Usaremos tá (que deve ser pronunciada com energia) para indicar as tônicas e ta para indicar as átonas:
Tá-ta-tá-ta-tá,
ta-tá-ta-ta-tá,
ta-ta-tá-ta-tá,
ta-tá-ta-ta-tá?
ta-tá-ta-ta-tá
ta-ta-tá-ta-tá.
ta-tá-ta-ta-tá,
tá-ta-tá-ta-tá...
tá-ta-tá-ta-tá,
ta-ta-tá-ta-tá?
ta-ta-tá-ta-tá
ta-tá-ta-ta-tá!

Lendo em voz alta, podemos perceber melhor a variedade dos ritmos, com a qual o poema se livra de cair na monotonia. Observem como se altera a distribuição dos acentos de uma linha para a outra. 

As linhas destacadas em negrito dizem respeito ao verso "Pássaro da lua", que, como já dissemos, descreve o ritmo B, mais rígido, uma vez que, nele, o número de momentos acentuados supera o de momentos não acentuados. Não é um ritmo com o qual possamos nos sentir embalados; ao contrário, ele nos obriga a trabalhar, ficar vigilantes, pois um golpe duro (o acento) não tarda. Mas a poeta o empregou com comedimento e habilidade: ele aparece em posições alternadas, abrindo a primeira estrofe, encerrando a segunda e novamente abrindo a terceira. Está, portanto, em situação de destaque. 


Ora, esse único verso que se repete três vezes é o "tu" do poema, ao qual se dirige o eu lírico. Em termos gramaticais, "pássaro da lua" é um vocativo. Todo o poema é, na verdade, uma interpelação desse "tu", interpelação que aparece em lugares estratégicos, como já referimos:
Pássaro da lua,
......................,
.......................,
.......................?
.......................
....................... .
.......................,
pássaro da lua...
Pássaro da lua,
.......................?
.......................
.......................!

 
A primeira e a segunda ocorrência estão separadas uma da outra por um intervalo de seis versos, enquanto a segunda e a terceira ocorrência se sucedem imediatamente. Mas, para aliviar essa seqüência de dois versos idênticos, de dois ritmos idênticos, Cecília Meireles achou a excelente solução de colocar reticências no fim da segunda quadra, com o que se produz uma pausa maior e podemos respirar um pouco. As reticências ao menos propiciam que o verso seja repetido com um intervalo de tempo maior. São uma espécie de pausa no centro do poema, após o que recobramos mais força para voltar à pergunta que inicia a terceira quadra e com o que se evita a desagradável colisão de duas ocorrências de um verso bastante duro quanto ao ritmo.
Esse afrouxamento do tempo ocasionado pelas reticências tem por certo uma contrapartida no nível da mensagem, pois o eu lírico já avisa: "Teu canto é perdido,/ pássaro da lua...". Há aqui também um certo afrouxamento, mas da expectativa, da ilusão: para que cantar se não existe nem "osso de ouvido"? Reparemos no alcance dessa última imagem, pela qual o ato de ouvir se torna uma espécie de estaca, de porto seguro que impeça a dissolução, a evanescência total. Pois, se batesse no "osso" de algum ouvido, a canção não resultaria em algo tão inapreensível e mesmo inútil, como seria, aliás, o canto de um fictício pássaro da lua:
Pássaro da lua,
que queres cantar,
nessa terra tua,
sem flor e sem mar?


O poema se inicia com uma pergunta sobre a matéria da canção: o que há para cantar se não há, "nessa terra tua", nem flor nem mar, elementos que desde as mais remotas épocas servem à poesia?

 Essa estrofe conclui que não está disponível, para o pássaro cantor/compositor, os elementos tipicamente poéticos nos quais se basearam tanto as simples e belas cantigas.
A segunda quadra verificará a ausência de um destinatário ao qual se dirija o pássaro e concluirá pela inutilidade do canto, pois ele "é perdido". Mas devemos entender esse perdido em sentido literal também: na ausência de um ouvido-pedra, de um ouvido-calço, de um ouvido-osso, a música não se fixa e escapa.
Não há, para esse canto, nem matéria nem ouvinte. E a estrofe final põe em questão até mesmo a serventia do cantor:
Pássaro da lua,
por que estás aqui?
Nem a canção tua
precisa de ti!
A canção, sem ter aquilo de que falar e sem ter para quem falar, talvez não precise nem de seu criador. Reparemos como aqui é reposta a rima lua/tua que percorre o poema e que contribui para a sua unidade sonora, melhor dizendo, para a sua circularidade sonora - para o que é também decisiva a repetição de "Pássaro da lua" ora no começo, ora no fim das estrofes, como já referimos.

As palavras tua e lua são palavras-chave, que, a cada repetição, adensam mais e mais a atmosfera do poema, aumentando o seu clima onírico, cujo ponto alto coincide com a conclusão de quem nem mesmo a canção acompanha o seu cantor. O pássaro da lua talvez seja o mais solitário dos seres. Mas não será dele talvez a canção mais pura, por ser praticamente vazia de conteúdo e por estar livre de seu próprio autor? Uma canção que, mais do que algo criado, parece ter existido desde sempre? Não será a canção por excelência?
Lembremos algumas das características que definem esse gênero poético, comentadas brevemente por nós no início deste texto: o apagamento dos fatos, a indeterminação quanto ao tempo e ao espaço. Essas características não apareceriam com extrema força no canto de um pássaro da lua, ser imaginário no fim das contas? Este não viria a ser, portanto, o símbolo de uma situação extrema, ou mesmo um ideal? Pois nele a canção se livraria de todos os estorvos que ainda a impedem de ser a mais pura música: o osso de autor, o osso de ouvido e o osso de conteúdo. Liberta de tudo isso, a canção de um fabuloso pássaro numa terra de nada e de ninguém como é a Lua seria a indeterminação total, o sem-tempo e o sem-espaço máximos. Uma tal indeterminação que, no limite, implica a inutilidade até mesmo do eu, do sujeito cantor.
Assim é que, se, num primeiro momento, o gênero da canção significava a mais íntima expressão do cantor, na qual o mundo de fora está dissolvido, o poema de Cecília parece apontar para algo além disso, na medida em que cria uma situação imaginária em que o próprio cantor aparece dissolvido. Uma situação por certo de negatividade e desolamento, em que não há nem flor nem mar nem ouvido e nem mesmo pássaro- mas paradoxalmente propícia à libertação total do canto.

Cecília Meireles
Cecília Meireles nasceu no Rio de Janeiro em 7 de novembro de 1901. Aos 16 anos se diploma professora e começando a escrever poemas de forma efetiva. Publica diversos livros: Espectros (1919), Nunca mais ... e poema dos poemas (1923) e Baladas para El-Rei(1925). Seu livro de prosa poética, Criança, meu amor foi indicado como leitura oficial nas escolas. Entre 1930 e 1933, dirigiu a Página da Educação no Diário de Notícias do Rio de Janeiro e, em 34, inaugurou o Centro de Cultura Infantil do Pavilhão do Mourisco, a primeira biblioteca infantil do país. Com o suicídio do marido Cecília Meireles volta a lecionar, escreve sobre folclore no jornal A Manhã, crônicas para o Correio Paulista e dirige a Revista Travel in Brazil, no Rio. O livro Viagem (1939), recebeu da Academia Brasileira de Letras o Prêmio de Poesia. Inicia um período de intensas atividades e viagens, cujo reflexo encontramos em obras como Doze noturnos de Holanda e Poemas escritos na Índia. Em 1953, após intensa pesquisa histórica, publicou o Romanceiro da Inconfidência. Cecília Meireles morreu no Rio, em 9 de novembro de 1964.
Visite também o site do Alô Escola: Cecília Meireles, baseado em programa produzido pela Rádio Cultura FM







Retrato - Cecilia Meireles

cecilia meireles

Maria Bethânia declama Cecília Meireles

Nem tudo é fácil - Cecília Meireles

Motivo - Cecilia Meireles

Aceitação - Cecilia Meireles

Valsa - Cecilia Meireles

ANALISANDO POEMAS

PRIMAVERA - CECÍLIA MEIRELES

CeCilia Meireles- bibliografia vida e obras !!